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Anfíbios Paulo Garcia
 
A classe Amphibia do grego “Amphi”, que significa dupla e “Bio” que significa vida, é caracterizada, como o próprio nome indica Continua...
Paulo Garcia – Parque Natural de São Miguel
Luís Silva Vídeo
Biólogo – Universidade dos Açores
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A classe Amphibia do grego “Amphi”, que significa dupla e “Bio” que significa vida, é caracterizada, como o próprio nome indica, pelo facto da maioria dos indivíduos deste táxon apresentarem ao longo do seu ciclo de vida uma alternância de 2 fases, uma aquática associada ao estado larvar e uma terrestre que corresponde à fase pós-metamórfica, ou seja à transformação da larva em adulto. No entanto, nem todos os anfíbios têm um estado larvar aquático e uma fase adulta terrestre.

Os anfíbios foram os primeiros vertebrados a desenvolver um conjunto de alterações morfofisiológicas que permitiram a conquista do meio terrestre, como a capacidade de respirar pela pele (respiração cutânea) e/ou pulmões (respiração pulmonar); o revestimento do corpo com pele, em vez de escamas, minimizando a perda de água; o desenvolvimento de membros para a locomoção terrestre; os órgãos dos sentidos adaptados à terra e à água; a presença de rins “primitivos” (mesonéfricos), um esqueleto e uma musculatura forte, permitindo a sustentação do animal em meio terrestre. Apesar destas adaptações ao meio terrestre, os anfíbios são muito dependentes do meio aquático para a reprodução, uma vez que os seus ovos são pouco resistentes à dessecação.

A classe de anfíbios encontra-se dividida em 3 ordens (Anura, Urodela ou Caudata e Apoda ou Gymnophiona).

A ordem Anura é representada pelas rãs, sapos e relas, são caracterizados pelos adultos não apresentarem cauda e possuírem na sua maioria membros posteriores muito longos, bem adaptados para o salto. Uma outra característica desta ordem é a presença de cordas vocais, nos machos, que utilizam as suas vocalizações com o objetivo de atrair as fêmeas para acasalamento.

A ordem Urodela ou Caudata é representada pelas salamandras e pelos tritões e são caracterizados por manterem a cauda ao longo da sua vida.

A ordem Apoda ou Gymnophiona não apresenta membros locomotores “patas”, nem cauda ou então apresentam uma, mas muito reduzida. São muito semelhantes às minhocas (anelídeos), no entanto distinguem-se destes últimos por serem vertebrados. Não são conhecidos animais desta ordem no território português.

A anfibiofauna existente nos Açores é representada apenas por duas espécies, a Rã-verde (Rana perezi) e o Tritão-de-crista (Triturus cristatus). Ambas as espécies são exóticas e foram introduzidas pelo Homem, no entanto não são conhecidos impactos negativos associados à sua introdução no arquipélago.

A Rã-verde encontra-se presente em todas as ilhas e foi introduzida nos inícios do século XIX nas lagoas e nos lagos das casas senhoriais, como espécie ornamental e para o combate de mosquitos. São frequentemente observados em massas de água-doce, como lagoas, lagoeiros, ribeiras de fraco caudal e bebedouros, podendo também ser observados em poças de maré associadas às fozes das ribeiras e até mesmo em águas termais, estes últimos dois ambientes a que não se encontram geralmente associados, podem, ou não, tratarem-se de novas “adaptações” a outros biótopos, que carecem de algum estudo.

O Tritão-de-crista (Triturus cristatus) encontra-se presente apenas na ilha de São Miguel, limitado à zona central da ilha, entre o concelho da Lagoa e a freguesia das Furnas, onde encontrou condições ótimas para colonizar um ecossistema diferente dos das populações originárias (Itália, Áustria, Croácia, Bósnia Herzegovina, etc). A ilha de São Miguel é o único local da Península Ibérica onde se conhece a existência deste anfíbio!

Supõe-se que o Tritão-de-crista tenha sido introduzido acidentalmente nos inícios da década de 20 do século XX, onde foram importadas diversas espécies aquáticas de plantas e peixes e os seus ovos tenham vindo acompanhados juntamente com essas espécies.

A adaptação a este novo habitat fez com que o Tritão-de-crista tenha adquirido hábitos diferentes do que lhe estão associados nos seus países de origem, nomeadamente a hibernação. As temperaturas amenas da ilha e do arquipélago permitem que o Tritão-de-crista se mantenha ativo ao longo de todo o ano, não sentindo necessidade de hibernar.

Estas novas “adaptações” e/ou “variações” destes anfíbios ao arquipélago, podem não ser mais do que isso, talvez nem se tratam mesmo de “variações”, no entanto seria de todo o interesse para a Ciência estudá-las e perceber a evolução destas espécies no arquipélago açoriano.

Os anfíbios são uma classe de grande importância ecológica, quer pela sua enorme diversidade (mais de 6000 espécies conhecidas); quer para o equilíbrio dos ecossistemas, controlando a população de insetos e de outros animais invertebrados; constituem a principal dieta de alguns peixes, répteis, aves e mamíferos; são bioindicadores para diversos fatores ambientais e fornecem compostos biológicos, utilizados para a produção de analgésicos, antibióticos e tratamentos de diversas doenças.

Como não possuem grande capacidade de dispersão e encontram-se muito dependentes do meio aquático para sobreviver, os anfíbios são muito sensíveis à destruição do seu habitat. Fatores como a introdução de espécies exóticas, a poluição, a alteração ao uso do solo, as alterações climáticas e as infeções causadas pelo fungo Batrachochytrium dendrobatidis são os principais responsáveis pelo declínio populacional dos anfíbios no mundo. A ignorância e os preconceitos criados à volta destes animais, muito associados ao mal e à bruxaria, são outras das ameaças que colocam em causa a conservação destes seres, torna-se por isso importante desmistificar as ideias erradas sobre os anfíbios e divulgar o papel importante que estes desempenham a nível ambiental.

Atualmente as populações de anfíbios estão a diminuir a um ritmo elevado por todo mundo. Cerca de um terço das espécies de anfíbios conhecidos encontram-se em estado crítico, perigo ou vulneráveis, de acordo com os critérios estabelecidos pela IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza), razão pela qual necessitam de proteção adequada de forma a travar a perda de biodiversidade.

Tanto a Rã-verde como o Tritão-de-crista encontram-se protegidos por legislação regional, nacional e internacional. A Rã-verde encontra-se listada no anexo III (fauna protegida) da Convenção Sobre a Vida Selvagem e os Habitats, também conhecida por Convenção de Berna. O Tritão-de-crista, por sua vez, e devido ao facto de ser um dos anfíbios mais ameaçados a nível mundial, figura numa diversidade de diplomas como o anexo II (espécies da fauna estritamente protegidas) da convenção de Berna, o anexo I e IV da Diretiva Habitats e o Decreto Legislativo Regional n.º 15/2012/A, de 2 de abril, que estabelece o regime jurídico da conservação da natureza e da proteção da biodiversidade, na Região Autónoma dos Açores.

Paulo Garcia – Parque Natural de São Miguel