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Amêijoas da Caldeira – Tapes decussatus Aristides Silva
ILHA DE SÃO JORGE
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Quem terá introduzido amêijoas na Caldeira da Fajã de Santo Cristo? Continua...
Aristides Silva -Técnico de Pescas
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Quem introduziu amêijoa na Caldeira de Santo Cristo?

O meu interesse pela amêijoa da lagoa da Caldeira de Santo Cristo, nasceu depois de ter sido descoberta em 1998 no porto da Praia da Graciosa, uma pequena quantidade daqueles bivalves, que foram identificados pelos locais como sendo iguais aos da Caldeira de Santo Cristo.

Como eu já tinha estudado algumas características destes bivalves, fiquei admirado com esta descoberta, porque as amêijoas só se fixam e sobrevivem, se não haver agitação marítima. Ora o porto da Praia da Graciosa é um local relativamente aberto, embora as tais amêijoas tivessem aparecido apenas, no canto onde as águas são menos agitadas e à profundidade de cinco ou seis metros. Foram aspiradas por um extrator de areia que estava a funcionar naquela área. Foi a única vez que isso aconteceu, nem anterior nem posteriormente voltou a aparecer amêijoa naquele local. Mas agora com o novo porto de Pescas na Graciosa, isso poderá acontecer com mais facilidade porque a zona ficou muito mais abrigada. Aliás, se «semeássemos» amêijoa em todas as nossas marinas e portos abrigados, era natural que elas se reproduzissem, desde que os fundos tivessem as condições mínimas.

Quando no ano 2000 me fixei na Ilha Terceira, fui à Biblioteca Pública de Angra do Heroísmo procurar informações sobre a amêijoa de S. Jorge, mas não encontrei nada. Foi através do Drº João Gonçalves do DOP que consegui obter as informações mais importantes na altura. Foi este investigador que me informou de que a amêijoa da Caldeira de Santo Cristo, pelos estudos já efetuados, tinha sido introduzida há cerca de 100 anos e que se tratava da Tapes decussatus, trazida do continente.

Quem a terá trazido e introduzido na Caldeira de Santo Cristo há cerca de cem anos? Ninguém sabia. Tentei junto de diversas pessoas, até que num contacto com o Eng. Luís Pereira, funcionário da Câmara Municipal da Calheta, este me informou que se dizia ter sido um padre.

Procurei então informar-me junto do padre António Machado, ouvidor de Santa Cruz da Graciosa e natural daquela fajã. Telefonei-lhe várias vezes, até que quase a saca-rolhas, consegui que ele me dissesse que a sua avó, nascida em 1882, contava lembrar-se ainda das pessoas não comerem amêijoas e ter sido os ingleses que os ensinaram. Mas que ingleses? Ninguém sabia de que ingleses se tratavam. Levei vários dias a matutar nesta história dos ingleses, até que me lembrei dos ingleses do Cabo Submarino mas não os estava a ver na Caldeira de Santo Cristo. Voltei novamente à Biblioteca Pública de Angra à procura dos ingleses do Cabo Submarino e então consegui saber o seguinte; o nome da empresa - Telegraph Construction and Manitenance C., que faria a montagem do cabo entre Lisboa e os Açores e cuja data do contrato era de 17/06/1893. Só com estes dados pensei que não iria a lado nenhum; mesmo assim resolvi telefonar novamente ao padre António Machado e contar-lhe o pouco que tinha encontrado. Qual não foi o meu espanto quando perante a minha história, ele se lembrou imediata e efusivamente das ruínas, daquilo que os locais identificavam como tendo sido o posto do Telégrafo na Caldeira de Santo Cristo. Uma pedra de tufo, que ainda hoje lá está, onde terá sido construída uma casota onde eram feitas as amarrações do cabo submarino.

Pedra de tufo no fim da Fajã da Caldeira de Santo Cristo onde foi construído, pelos ingleses, um posto para a amarração do cabo submarino no final do Século XIX.


Ruinas visíveis, nos dias de hoje, do posto dos ingleses.

O técnico da Secretaria Regional do Ambiente e do Mar, Paulo Henrique Silva, visitou recentemente a Caldeira de Santo Cristo e fotografou a pedra onde esteve instalado o posto do Cabo Submarino e falou com as poucas pessoas que ainda habitam no local. Segundo ele, todos confirmam terem sido os ingleses que ensinaram as pessoas da Caldeira a comer os «clames»; nome pelo qual durante muito tempo eram conhecidas localmente as amêijoas. Mas relativamente a quem as terá introduzido, os actuais residentes na Caldeira, dizem ter sido um emigrante.

Quer a primeira hipótese, de ter sido um padre, ou a segunda, um emigrante a introduzirem amêijoa na lagoa da Caldeira de Santo Cristo parecem-me pouco credíveis.

Esta amêijoa a Tapes decussatus, vive fora de água poucas horas e em frigorífico, entre 5 e 9 graus positivos, cerca de 5 a 6 dias. Na altura em que ela foi introduzida nem frigoríficos havia, só a partir de 1931 estes começaram a ser comercialmente vendidos. Hoje em dia, com as viagens de avião, seria muito fácil qualquer pessoa transportá-las vivas do continente até à Caldeira de Santo Cristo, mas naquele tempo, final do século XIX, só de barco e com mudanças de água muito frequentes.

A terceira hipótese, a introdução ter sido efetuada pelos próprios ingleses ligados ao cabo submarino. Parece-me a hipótese mais verosímil. O contrato do cabo submarino é de 1893, segundo o testemunho do Drº João Gonçalves que recolhi em 2000, os estudos efetuados pelo DOP nessa altura, tinham concluído que a amêijoa (Tapes decussatus) existente na Caldeira de Santo Cristo, deveria ter sido introduzida há cerca de 100 anos, a partir do continente. Esta amêijoa existe na costa portuguesa e em diversas localidades da costa oeste e sul de Inglaterra; e portanto deveria ser bem conhecida, pelo menos de alguns dos funcionários da empresa do Cabo Submarino. Uma vez que só a partir de 1931 se tornou vulgar a utilização de frigoríficos, e como os métodos de conservação de alimentos eram muito primários, parece-me lógico que eles trouxessem amêijoas nos navios, em local onde a água do mar circulasse, e assim poderiam ter pelo menos um alimento fresco. Como na Caldeira existiu um posto de amarração do cabo submarino, é natural que os funcionários do mesmo, que segundo diversos testemunhos ensinaram os moradores locais a comer os «clames», também tivessem sido eles a introduzir inicialmente a amêijoa; e só mais tarde, quando elas já se tinham reproduzido abundantemente, tivessem ensinado aos habitantes locais o valor gastronómico das mesmas.

Neste momento não tenho mais elementos que me ajudem na defesa desta tese, todavia tenho a informação de que existe documentação diversa, relacionada com o Cabo Submarino na Biblioteca Pública da Horta. Embora nem toda a documentação esteja ainda organizada, todavia não será difícil no futuro aprofundar esta tese a partir dessa documentação.

Aristides Silva - Técnico de Pescas