Os Montanheiros mostraram, desde o início da sua atividade, uma forte ligação às questões geológicas, e um apreço especial pelas singulares formações e estruturas naturais que as cavidades vulcânicas nos Açores encerram. Com as primeiras expedições espeleológicas surgiram as primeiras amostras, trazidas à luz do dia para fins científicos e, obviamente, para suscitar a curiosidade das pessoas, aliciando-as a uma causa que então estava a dar os primeiros passos. Antes ainda de estarem fundados como associação, tinham já dado início a uma coleção geológica que, com tempo e paixão, viria a transformar-se naquilo que é hoje o seu museu vulcanoespeleológico.
O embrião nasce em dezembro de 1963 na segunda sede da associação, um espaço alugado na Rua de S. João, com as primeiras amostras trazidas das recentes expedições ao Algar do Carvão. Esses interessantes exemplares começam a suscitar a curiosidade da população em torno da associação e daquilo que fazia, e em março de 1964 este pequeno espólio é já referido como sendo uma "variada e abundante coleção de pedras e rochas",1 numa altura em que o eng. Fernando Cordeniz Fagundes tinha já dado início à sua catalogação.
Uma após outra, as amostras tornavam-se num conjunto digno de ser exposto, mas infelizmente as condições económicas, pouco favoráveis, limitavam em muito as pretensões desta jovem associação. De forma muito rudimentar avançou-se com uma exposição permanente, em cima de simples prateleiras, que na época atraia já algumas pessoas, que tratavam de passar a palavra a outras.
Em 1969 a Junta Geral oferece à associação um mesão envidraçado que fazia parte do mobiliário do antigo Liceu de Angra, instalado no Convento de S. Francisco. Os Montanheiros procedem de imediato ao seu uso como expositor. Hoje este mesão, adaptado na década de 90 de forma a aumentar a área expositiva, ainda se encontra no museu dos Montanheiros com amostras geológicas. Nos anos que se seguiram continuou-se a selecionar e recolher novas amostras representativas daquilo que fosse diferente e interessasse mostrar às pessoas.
Paulatinamente o espólio crescia, sempre em sedes alugadas e em espaços adaptados para o efeito. De quando em vez organizavam-se exposições, apresentando-se o espólio de forma mais cuidada, geralmente por altura das festas da cidade, afluindo um considerável número de pessoas.
Na década de 1980, com a reconstrução daquela que viria a ser a futura sede dos Montanheiros, projetou-se um espaço no rés-do-chão destinado a um futuro museu. Aquando da inauguração do edifício receberam-se os convidados neste espaço a que chamávamos carinhosamente de "nosso armazém de pedras", onde as amostras geológicas foram expostas sobre tabuões em madeira colocados em estruturas de andaimes.
Em 1991 a situação iria evoluir de forma decisiva. José Maria Botelho e Manuel Aguiar Silva, com a colaboração de Luís Pimentel, decidem que estava na altura de meter mãos-à-obra e adaptar aquela sala à função para o qual tinha sido projetada, dando por fim a dignidade que se pretendia há tantos anos a uma coleção de 3 décadas, que se tornava mais importante a cada ano. Avança-se com o projeto e no final desse ano o que antes era uma Exposição começa a transformar-se numa Sala-Museu. Coloca-se o parquê no chão, e iluminação no teto, adquirem-se expositores feitos por medida, selecionam-se as amostras, termina-se a legendagem das mesmas e inaugura-se este novo espaço pelas 14:30 do dia 18 de junho de 1992, com a denominação de Sala-Museu Machado Fagundes, numa evocação à memória de um dirigente e sócio fundador a quem os Montanheiros muito ficaram a dever. Refira-se que esta sala-museu nasce devido ao trabalho dos membros da associação, mas também da colaboração de vários amigos. É o caso de Germano Simas que idealizou e concebeu o corpo principal da sala, de José Manuel Sousa que construiu os expositores em madeira que rodeavam a sala, de Renato Costa e Silva que modelou e ofereceu o morcego em grés que existe no museu, do mestre Abel Teixeira que recuperou o móvel/expositor de pinho resinoso, de Tristão Andrade que ofereceu o brasão da Região, de Rei Bori que ofereceu uma magnífica coleção de moedas ao museu, ou do mestre Levinho que ofereceu um morcego em madeira de sua autoria.
Nos cinco anos que se seguiram os Montanheiros, incapazes de suster o ímpeto recolector da atividade de campo, trouxeram novas amostras das suas expedições. Com as maquetas que se iam construindo ficava a sala-museu mais rica, mas também mais exígua. A solução foi anexar uma segunda sala, construída para o efeito em parte do quintal, e introduzir algumas beneficiações na sala existente. As obras iniciaram-se a 4 de outubro de 1997 ficando concluídas a 20 de fevereiro de 1998. Com este novo espaço ganhou-se coragem para assumir uma nova designação, reabrindo então como Museu Vulcanoespeleológico Machado Fagundes.
Durante a década de 90 as aberturas do museu ao público eram irregulares. Dependiam da presença temporária de algum funcionário colocado através de um programa de apoio ao emprego e, na falta destes, anunciava-se que o mesmo poderia ser visitado após as 21 horas, altura em que os elementos da Direção se encontram na sede. Nos períodos em que não havia funcionários, e porque entendíamos ser este um espaço de importância didática, recebíamos à noite os professores a quem fazíamos uma visita guiada e a quem emprestávamos uma chave para que no dia seguinte, durante o período de aulas, pudessem trazer as suas turmas para fazer a visita. Com o novo milénio veio a hipótese de contratar um funcionário e no final de 2000 existia já um que assegurava a abertura ao público, durante todo o ano.
Em 2020, durante o período em que decorreu a pandemia COVID 19, o museu esteve fechado, aproveitando os Montanheiros para fotografar todo o espólio em exposição, bem como as reservas. Pelo facto de em 2018 este museu ter entrado para a Rede de Museus e Coleções Visitáveis dos Açores na categoria de coleção visitável, esta era uma das imposições.
Tão valioso espólio justificou vários investimentos ao longo dos anos, no seu acondicionamento e exposição, mas o espaço limitado voltava a ser um problema. Depois de os Montanheiros adquirirem o edifício ao lado da sua sede, realizaram-se obras, ampliando-se o museu para o rés-do-chão do prédio adquirido, conseguindo-se assim uma terceira sala de exposições e outra menor para projeção de vídeos e oficinas, passando-se de uma área de 123 m2 para os atuais 189 m2. A inauguração aconteceu no aniversário da associação a 1 de dezembro de 2024.
Hoje o Museu Vulcanoespeleológico Machado Fagundes é constituído por um único núcleo que funciona fundamentalmente com exposições permanentes. Tem um horário de abertura regular e entrada gratuita sendo visitado por muitas centenas de curiosos e interessados, nomeadamente grupos escolares. Habitualmente as visitas são guiadas, com explicações diversas sobre as diferentes coleções, deste espaço único no país.
As coleções
A coleção de amostras geológicas, representada por materiais e formações resultantes da génese vulcânica destas ilhas, continua a ser a mais significativa e, tanto quanto sabemos, é o mais rico espólio de amostras do género existente em Portugal. Muitas das amostras expostas apenas podem ser observadas nos Açores no interior de cavidades vulcânicas. Existem também outras amostras, sem origem nos Açores, que ajudam a complementar a coleção, sendo provavelmente as mais antigas as oferecidas pelo Eng. Humberto Oliveira em 1966. O Instituto de Cooperação Científica e Tecnológica Internacional patrocinou uma Coleção Industrial de Minerais e Rochas da Ward's de 150 exemplares, que se encontra desde então em exposição num móvel adaptado para esse efeito, que permite aos alunos que visitam o museu ter um contacto com uma pequena amostra da diversidade de rochas e minerais que existem neste planeta.
Outro conjunto relevante no museu é uma coleção de fósseis, ganhando particular destaque uma ave marinha, fossilizada sobre uma pedra pela precipitação da sílica que caiu sobre o seu corpo, junto da lagoa do Algar do Carvão. Esta que é hoje a mais preciosa peça deste museu, com 70 kg de peso, foi trazida para a sede dos Montanheiros no dia 8 de agosto de 1970. Admirada por vários, foi alvo de uma interessante proposta de aquisição por parte do Prof. Galopim de Carvalho, a fim de integrar o espólio do Museu Nacional de História Natural e da Ciência, de que este era diretor. Também de grande importância é o fóssil de uma suposta galinha-de-água (Rallus sp.) atualmente extinta na ilha Terceira, mas que por cá terá andado muito antes do Homem, também de sílica amorfa sobre basalto e também recolhida no interior do Algar do Carvão na década de 70. Igualmente importante são: os moldes de ramos fossilizados provenientes da Gruta da Branca Opala; uma coleção de fósseis calcários de bivalves e outros organismos marinhos provenientes da ilha de Santa Maria; pedaços de tufo com impressões de folhas fossilizadas, como os recolhidos aquando do desabamento de 10 de janeiro de 1971 ocorrido junto ao antigo Mercado de Peixe e que dão ideia de como estaria povoada a baixa de Angra aquando da formação do vulcão do Monte Brasil ou as impressões de um tronco fossilizado há mais de 3.000 anos pela passagem de uma escoada lávica com origem no Pico do Carvão, sobre a primitiva floresta que aqui existia.
De dimensões inferiores a 2 mm, o museu possui um conjunto diversificado de amostras geológicas de cinzas e areias dos Açores e não só. Parte destas amostras são de origem sedimentar, formadas à superfície da Terra pela desagregação de rochas preexistentes e de restos de seres vivos. Foram recolhidas em diversas praias e depósitos vulcânicos, algumas por onde Fernando Pereira membro da direção dos Montanheiros foi passando, e outras que lhe foram presenteadas.
Uma coleção de conchas de organismos marinhos e terrestres é outra das curiosidades do museu. Era uma coleção particular que tinha sido construída por Paulo Barcelos e que foi oferecida a este museu. É composta por conchas de cerca de 1900 diferentes espécies, provenientes de vários mares e oceanos, incluindo o mar em redor dos Açores, mas também de alguns locais exóticos terrestres.
Do museu faz ainda parte uma pequena Xiloteca composta principalmente por madeiras de espécies naturais dos Açores recolhidas pelos Montanheiros e uma coleção de insetos exóticos começada a adquirir em 2007.
Possui também, num móvel especificamente idealizado para o efeito, uma coleção de 29 amostras de barros provenientes de barreiros da ilha Terceira, 5 areias, 4 cinzas vulcânicas e 1 pó-de-pedra, recolhidas e trabalhadas por Renato Costa e Silva. Este ceramista trabalhou em particular os barros, moldando-os e cozendo-os a diferentes temperaturas, o que possibilitou atestar da qualidade dos mesmos para uso em peças utilitárias.
O museu possui também uma admirável coleção de maquetas, que pretendiam facilitar o entendimento de alguns fenómenos vulcânicos que ajudaram a construir e modelar as ilhas, perceber a localização de determinados acidentes geológicos como as grutas e algares, ter uma perceção comparativa das dimensões das falésias costeiras, do tamanho das baías, diferenciar cones vulcânicos perfeitos de outros extravasados em forma de ferradura, estudar a deslocação de escoadas lávicas, avaliar distâncias e traçar os percursos pedestres que se pretendiam realizar, sinalizar pontos de interesse ligados às atividades exploratórias dos Montanheiros e muito mais.
Tudo começou com uma tosca maqueta da ilha Terceira construída por Luís Parreira, então um jovem e dinâmico membro da associação, que se lembrou de fazer uma representação da ilha à escala 1:25.000, que foi apresentada no aniversário da associação em 1987. Pegou num tampo de madeira invertido, desenhou o contorno da Terceira e colocou pequenos paus verticais a marcar os principais pontos altimétricos. Depois, colocando terra que foi comprimindo, modelou os contornos orográficos da superfície da ilha. No final a maqueta foi pintada com diferentes cores, usando restos de tintas que tinham sobrado das recentes obras de construção da sede. Devido à sua frágil constituição acabou por se degradar com o tempo, desaparecendo por completo.
Em 1991 José Maria Botelho, mentor e artífice da coleção de maquetas que a associação hoje possui, decide construir uma maqueta da ilha Terceira em cortiça à escala 1:10.000, tendo solicitado apoio às Câmaras Municipais da ilha para a aquisição da cortiça. Antes, porém, para desenvolver e aprimorar as técnicas necessárias para avançar para o objetivo maior, foi feita uma maqueta menor da ilha, à escala 1:25.000, em que o arq. João Araújo pôde explicar ao José Maria Botelho qual a metodologia a adotar e quais os passos a seguir. Esta maqueta foi apresentada no aniversário da associação em dezembro de 1992 e hoje encontra-se guardada longe dos olhares dos visitantes.
José Maria Botelho retoma a ideia inicial, da maqueta à escala 1:10.000, adquirindo-se a cortiça, facas de corte e X-atos, cola, marcadores, pranchas de madeira e outros materiais e instrumentos necessários. Conseguiram-se as cartas junto dos Serviços de Obras Públicas da ilha Terceira e começaram-se a sublinhar cotas de nível nessas mesmas cartas. No dia 4 de março de 1993, depois de terem chegado de Lisboa, começou-se a riscar e a cortar as folhas de cortiça de 1 mm de espessura, colando-se a cota "0" sobre a qual iria crescer o relevo da ilha. Os trabalhos foram coordenados e executados na sua maioria por José Maria Botelho, ainda com a supervisão esporádica do arquiteto João Araújo, contando com a colaboração de Cristiane Borges Lourenço e Sandra Cristina Miranda Oliveira e esporadicamente de Luís Vasconcelos, sob o constante incentivo de todos os Montanheiros que acompanhavam essa criação e em particular dos seus colegas de direção. A maqueta foi concluída e apresentada ao público na sede dos Montanheiros em junho de 1993, aquando das festas Sanjoaninas.
Em julho José Maria Botelho inicia a maqueta da ilha Graciosa com a colaboração de Manuel Aguiar, Sandra Cristina Miranda Oliveira e Sandra Manuela Nascimento Parreira. Bem mais rápida de ser feita, estava terminada em fins de agosto de 1993.
No mês de maio de 1995 inicia-se a maqueta da ilha do Faial, executada por Guida Maria Correia de Sousa e José Maria Botelho, concluída a 29 de novembro de 1995. Paralelamente em julho de 1995 inicia-se a construção de uma maqueta com a batimetria do fundo oceânico em redor das ilhas do grupo central e oriental dos Açores, com execução de José Maria Botelho e colaboração de Paulo Alexandre Bretão Martins, à escala 1:200.000 (planimetria) e 1:50.000 (altimetria), que ficou concluída a 30 de novembro de 1995. A ideia de se construir esta maqueta partiu da sugestão de Manuel Aguiar Silva, pelo que a sua construção foi também uma forma de o homenagear, tendo sido terminada já depois da sua morte. Ambas as maquetas foram apresentadas ao público no aniversário da associação nesse ano.
A 7 de agosto de 1996 estavam já em curso os trabalhos de execução da maqueta da ilha de Santa Maria. No primeiro semestre de 1999 esta maqueta é colocada em exposição no Museu Vulcanoespeleológico junto com a maqueta da ilha do Corvo. A maqueta da ilha das Flores é concluída logo depois, ainda nesse ano de 1999. Foi depois contruída uma maqueta de uma parte interior da ilha que compreende as localizações da Gruta do Natal e do Algar do Carvão, que não se encontra em exposição neste museu, mas na Gruta do Natal.
A Maqueta Geomorfológica começou a ser construída em 2003, mas devido à pesquisa necessária sobre as diferentes formas geológicas representadas na maqueta e devido ao estudo de como as representar em 3D, acabou por ver a sua conclusão suspensa e adiada, até ser retomada e terminada em 2012 a tempo de ser inaugurada com as de ampliação realizadas no museu nesse ano. Mais tarde foi decidido pintar a maquete, ficando com essa responsabilidade a colaboradora Laura Barbosa, que fez um trabalho soberbo, terminado em 2017.
A construção de uma Maqueta da Cidade de Angra do Heroísmo esteve na vontade de José Maria Botelho durante muitos anos. Finalmente, em abril de 2020, inicia a sua construção aproveitando o período de menor atividade da associação aquando da pandemia Covid19. A maqueta, com planimetria de 1:1000 e altimetria de 1:500, foi terminada nos 4 anos que se seguiram, após 3104 horas de trabalho efetivo intercaladas com alguns períodos de suspensão da atividade. Posteriormente vários colaboradores pintaram as fachadas e telhados do casario da cidade, regra geral correspondendo os telhados escuros às casas antigas que resistiram ao sismo de 80 e os telhados claros às novas construções pós-sismo. Coube também a Laura Barbosa fazer o acabamento da maqueta cuidando da ornamentação artística de monumentos e espaços nobres da cidade, com pinturas de pormenor, confeção de relevos e construção de miniaturas de estruturas.
Em 2025 é iniciado um novo projeto: a construção da maqueta da ilha do Pico também à escala 1:10.000, projeto a inaugurar nas comemorações do aniversário da associação desse ano.
___________________________ 1.Jornal "A União" de 21 de março de 1964.
Paulo Barcelos - Associação Os Montanheiros
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