Nota Biográfica
[N. Ponta Delgada, 17.9.1854 – m. Fajã de Baixo, S. Miguel, 21.6.1887] Com 22 anos, quando desempenhava funções de amanuense na Repartição de Fazenda daquela cidade, foi convidado por José do Canto para trabalhar como escriturário na sua casa comercial, cargo que desempenhou durante 7 anos.
Colaborador de Carlos Machado, contribuiu para a fundação do Museu de Ponta Delgada (1880) e incluiu o grupo de naturalistas açorianos que veio a organizar-se em torno desta instituição (Arruda, 1989-90; 1999).
A capacidade de observação e interpretação dos fenómenos da natureza proporcionou-lhe, neste ambiente, a elaboração de vários projectos de investigação científica com o objectivo de encontrar a origem das espécies ocorrendo no arquipélago dos Açores. Para tanto, dedicou-se aos moluscos terrestres, por serem considerados mais próprios aos estudos zoogeográficos do que as aranhas, de que se ocupara durante algum tempo, e que julgara, pela sua suposta maior facilidade de transporte, servirem pouco ao esclarecimento daquele objectivo (Arruda, 1994).
Como seguidor da Teoria Evolucionista, entendia que «uma vez introduzida uma espécie nas nossas ilhas, ainda que depois de alguma grande luta pela vida, capaz de produzir uma endemia, as condições vitais eminentemente próprias [...] estabeleceram seguros meios de propagação». Mais, as diferenças encontradas nas populações açorianas quando comparadas com aquelas da mesma espécie habitando o continente, não eram «questões anómalas, individuais e principalmente de idade» mas «modificações fixadas na espécie pelas leis da hereditariedade» (Furtado, 1881). Com o tempo, as modificações teriam sido fixadas nos seus «aparelhos secretores», apropriando-os definitivamente à natureza especial das suas necessidades (Furtado, 1880).
Também tendo verificado que o número de endemismos açorianos relativamente à área era elevado e que isso estava em desacordo com a previsão teórica, rejeitando a possibilidade de haver espécies introduzidas apenas em algumas ilhas, entendia que formas diferentes, consideradas anteriormente como espécies, não seriam mais do que estados diversos de modificação de uma mesma espécie (Arruda, 2001).
Para Furtado, os efeitos da insularidade deviam influenciar também o homem açoriano que estava completamente por estudar do ponto de vista antropológico. Assim, introduziu-se na área da Antropologia para tentar encontrar a origem do povo micaelense, actividade que desenvolveu em paralelo com a divulgação daquela ciência (Arruda, 2001).
A este gosto de Furtado pela Antropologia, que o colocou entre os seus pioneiros, em Portugal, não são estranhos os estudos de Gustave Le Bon e do seu conterrâneo Francisco de Paula e Oliveira (cf. Arruda, 2002).
Com o objectivo de divulgar as espécies animais açorianas enviou aranhas a Eugène Simon, coleópteros e hemípteros a Maurice Sédillot, a Richter Lajos e a A.-L. Montandon, convidou Edmond Perrier e Odo-Morannal Reuter a estudarem minhocas e poduros, respectivamente, e C. O. von Porath a receber uma colecção de miriápodes. Para conhecer a distribuição de algumas plantas, e numa iniciativa a que não foram alheios os conselhos que recebeu de Darwin, remeteu dois pequenos herbários a J. Hooker (cf. Arruda, 2002).
A actividade de Arruda Furtado aparece certamente relacionada com a passagem de naturalistas estrangeiros pelos Açores que, desde meados do século XVIII, se dedicavam, principalmente, ao estudo dos animais, das plantas e da geologia. Mais, esse interesse pelo arquipélago aumentou desde que Darwin publicou a sua obra Origin of species by Means of Natural Selection (1859). Esse interesse relacionou-se com o facto destas ilhas, nascidas do mar, poderem suportar formas animais e vegetais de transição entre as regiões Paleártica e Neártica.
Em 1885, transferiu-se para o Museu de Lisboa onde o ambiente científico era dominado pela classificação zoológica, sem interesse pela problemática do evolucionismo e da anatomia. Nesta circunstância a actividade científica de Furtado passou a estar envolvida com a organização de colecções museológicas e com a descrição de espécies.
Foi membro honorário da Philosophical Literary Society de Leeds e da Sociedade de Geografia de Lisboa. Proposto para membro da Academia das Ciências não chegou a ser nomeado por entretanto ter falecido.
Luís M. Arruda
In Enciclopédia Açoriana
Obras. (NA ÁREA DA MALACOLOGIA) (1880), Indagações sobre a complicação das maxilas de alguns hélices naturalizados nos Açores com respeito às das mesmas espécies observadas por Moquin-Tandon em França. A Era Nova, 3: 135-147. (1881), A propósito da distribuição dos moluscos terrestres nos Açores. A Era Nova, 1: 267-283. (1881), Pequenas contribuições para o estudo da origem das espécies malacológicas terrestres das ilhas dos Açores. Sobre alguns exemplares de Helix aspersa Müller recolhidas nas paragens elevadas e áridas da ilha de S. Miguel. A Era Nova, 12: 548-552. (1881), On Viquesnelia atlantica Morelet et Drouët. Annals and Magazine of Natural History, (5), 7, 39: 250-254. (1882), Viquesnelia atlantica, Morelet et Drouët. Jornal de Sciencias Mathematicas, Physicas e Naturaes, 32: 305-305. (1882), On a case of complete abortion of the reproductive organs of Vitrina. Annals and Magazine of Natural History, (5), 9, 53: 397-399. (1886), Sur la denomination de l’Helix torrefacta Lowe, des Canaries. Jornal de Sciencias Mathematicas, Physicas e Naturaes, 42: 86-87. (1886), Sobre o logar que devem occupar nas respectivas famílias os Molluscos nus. Ibid., 42: 88-94. (1886), Catálogo geral das collecções de Molluscos e conchas da secção zoológica do Museu de Lisboa. Ibid., 43: 105-150. (1887), Sur une nouvelle espèce de Cephalopode appartenant au genre Ommatostrephes. Memórias da Academia Real das Scienceas de Lisboa, 6, 2: 16 pp. (NA ÁREA DA ANTROPOLOGIA) (1881), O homem e o macaco. Ponta Delgada, [Ed. do Autor]. (1882), Embryologia. Uma ideia popular do que ella vale na theoria de Darwin e do que é a philosophia de nossos avós perante ella. Positivismo, 4: 121-163. (1883), A inteligência e o tamanho da cabeça. A inteligência da mulher e a do homem. A Época. Ano II, n.o 81: 2-4 (21 de Julho). (1884), Materiais para o estudo anthropologico dos povos açorianos. Observações sobre o povo michaelense. Ponta Delgada. [Ed. do Autor]. (1886), Notas psychologicas e ethnologicas sobre o povo portuguez. I. Nomes vulgares de peixes. Jornal de Sciencias Mathematicas, Physicas e Naturaes, 42: 49-64. (1886), O macho e a fêmea no reino animal. Biblioteca do Povo e das Escolas, 128. Lisboa, David Corazzi – Editor. [Para outros títulos cf. Arruda (1994)]
Bibl. Arruda, L. M. (1989-90), Sobre os estudos científico-naturais de Arruda Furtado. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 9: 69-76. Id. (1994), Comentários e notas sobre a obra científica de Arruda Furtado. In Professor Germano da Fonseca Sacarrão. Lisboa, Museu Bocage: 353-376. Id. (1999), Pensamento científico de Arruda Furtado no contemporâneo dos Açores. Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, 57: 435-448. Id. (2001), Escalas nos Açores, povoamentos e evolucionismo vistos por Arruda Furtado. In: Portos, Escalas e Ilhéus no relacionamento entre o ocidente e o oriente. Lisboa-Ponta Delgada, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses e Universidade dos Açores, 2: 427-437. Id. (2002) (Introdução, levantamento e estudo), Correspondência científica de Francisco de Arruda Furtado. Ponta Delgada, Instituto Cultural de Ponta Delgada. Furtado, F. A. (1880), Indagações sobre a complicação das maxilas de alguns hélices naturalizados nos Açores com respeito às das mesmas espécies observadas por Moquin-Tandon em França. A Era Nova, 1: 135-147. Id. (1881), A propósito da distribuição de moluscos terrestres nos Açores. Ibid., 1: 267-283
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