Sim acho que se pode dizer que o Luís Monteiro foi um naturalista. Mas ele foi
mais do que isso. Quando penso no trabalho que deixou vejo que ele foi acima
de tudo um fazedor de coisas. Coisas visíveis. Coisas que ganharam forma
e a dado momento ganharam mesmo vida própria. Fossem projectos, redes
de pessoas envolvidas numa determinada área de conhecimento ou territórios
protegidos por lei.
Em pouco tempo ficámos a conhecer todas as espécies de aves marinhas do
arquipélago dos Açores e o território que cada população ocupa. Percebemos
a sua biologia e a sua ecologia e ficámos com uma ideia bastante clara daquilo
que podíamos fazer para as proteger nas fases mais críticas do seu ciclo
de vida. Em pouco tempo ficámos com um mapa da vulnerabilidade das
populações de aves marinhas dos Açores e uma rota muito precisa para a sua
protecção.
O trabalho que o Luís foi criando dentro e fora dos
Açores envolveu sempre muitas pessoas. Podia ser um padre que algum tempo
depois falava na importância de proteger os garajaus do Ilhéu da Praia durante
o serviço religioso. Podia ser um pescador contratado para transportar a equipa
que era envolvido nos trabalhos e cujas histórias acabavam por enriquecer o
pouco que se sabia. Um investigador estrangeiro que podia trazer consigo mais
pessoas e mais conhecimento. Uma bióloga estagiária do Governo Regional
dos Açores que pouco ou nada sabia sobre aves marinhas.
Chegava às pessoas sempre da mesma forma: com abertura,
simplicidade e um entusiasmo contagiante.
O seu trabalho atravessou artigos científicos, candidaturas a programas
comunitários e diplomas legais. Mesmo depois da sua morte. Mas foi mais
do que isso. Foi um trabalho implicado. Como pode ser politica e socialmente
implicado um trabalho feito no mundo da ciência. Era um investigador que conhecia
as pessoas e os lugares. E as pessoas e os lugares conheciam este investigador.
Hoje existe nos Açores na área da investigação aplicada
à ecologia das aves marinhas um grupo de investigadores nacionais e
estrangeiros que desenvolvem trabalho regular e apoiam cientificamente as
entidades regionais nesta matéria.
O desafio lançado às entidades locais e regionais em matéria de gestão e
conservação da natureza criou uma experiência de gestão activa e participada
do território insular que se tem replicado em diversos projectos em várias ilhas.
Na área da comunicação o conhecimento sobre ecologia das aves marinhas dos Açores
criou um dialogo vivo e interactivo com os públicos mais variados.
Aliás foi exactamente esse o ponto de partida para o desenho da
Campanha SOS CAGARRO tal como foi concebida, a responsabilidade e a
capacidade de cada cidadão para agir, para contribuir, para fazer coisas.
Em pouco tempo o trabalho que o Luís começou cresceu. Mas ele ficou sempre
do mesmo tamanho. Na sua simplicidade. Continuou a fazer trabalho de campo e a
apanhar Cagarros na estrada quando o Outono chegava. E continuou a olhar para o
mundo com o olhar vivo e brilhante que sempre lhe conheci. O olhar de cientista.
Ou quem sabe talvez, agora que penso nisso, o olhar de criança.
Um olhar cheio de promessas. De coisas por fazer.
Pitta Groz |