As ilhas dos Açores localizam-se nas proximidades da junção tripla entre as placas euroasiática, americana e africana, de acordo com um contexto geodinâmico complexo, ainda alvo de alguma controvérsia científica.
O enquadramento geodinâmico justifica a intensa actividade sismovulcânica observada nos Açores, o que é evidenciado pelo facto de terem ocorrido, desde o povoamento das ilhas, mais de 20 erupções vulcânicas descritas em documentos históricos.
A presença de fortes forças naturais traduz-se numa paisagem de onde ressalta um misto de beleza e mistério. Na poética paisagística misturam-se a presença da água e do fogo, as forças do interior e da superfície da Terra, traduzidas nas mais variadas expressões do oceano e dos fenómenos vulcânicos. Estas expressões, consoante os casos, podem corresponder a situações admiráveis e espectaculares, reflectidas na morfologia vulcânica, de onde se destaca a montanha do Pico, da diversidade de caldeiras e lagoas que se encontram nas várias ilhas, da expressão de paisagens efémeras como o vulcão dos Capelinhos, ou da estranheza das Furnas que se assemelham ao borbulhar escaldante da Terra. As mesmas forças podem, noutras circunstâncias, impor o mais profundo respeito e insegurança em relação aos fenómenos da natureza, como o vulcanismo, os sismos, os temporais de chuvas e ventos intensos, pouco frequentes em Portugal Continental.
O mar, quase omnipresente, assume também uma duplicidade simbólica. Em situações climatéricas calmas assemelha-se a um infinito espelho de água, transparente e claro junto à costa, ganhando tonalidades mais escuras ao afastar-se dela e ao tornar-se profundo. Na linha de costa, onde o mar encontra a terra, observam-se com frequência combinações admiráveis de azuis com um verde leitoso, depois transformados no branco da rebentação, que se espraia ou embate violentamente sobre a lava negra contrastante. Ao contemplar a partir de pontos elevados esta extensíssima massa de água, tem-se a sensação que o oceano se comporta como um gigante tranquilizador que pacifica os sons e ritmos das actividades humanas na paisagem. Pelo contrário, quando o estado do tempo se agrava o mar acinzenta-se e limita os horizontes das ilhas, separando-as e envolvendo-as numa densa bruma húmida, que reforça a sensação de isolamento no meio do atlântico.
A alternância dos estados de tempo é muito marcante no clima e na paisagem dos Açores. Esta alternância, comum ao longo do dia, mas também ao longo do ano, pode transferir-se para as diferentes feições de uma mesma paisagem, se considerarmos que as mudanças rápidas de luz, a visibilidade à distância, a velocidade do vento e da passagem das nuvens, as cores do oceano, as texturas, a relação com o mar e com o céu, as vivências do espaço interior ou exterior, se alteram profundamente.
A paisagem traduz-se numa escala muito própria que se repete com frequência nas diversas ilhas em termos de:
• Distribuição dos usos e actividades humanas em função da altitude, pois o relevo, associado a uma grande diversidade de formas, é o principal factor determinante da paisagem, na medida em que define o zonamento das culturas ou vegetação natural e o conforto climático necessário à instalação de povoados. Pode esquematicamente referir-se que a maioria dos povoados e áreas agrícolas se situam até aos 150 metros de altitude. Entre este valor altimétrico e os 350 metros situa-se grande parte das pastagens, alguns matos ou matas nos terrenos mais declivosos ou sobre biscoitos e mistérios. Neste intervalo poderão ainda surgir alguns povoados. Acima dos 1200 metros apenas ocorrem os matos de altitude;
• Localização dos povoados, normalmente numa faixa junto à costa, ao longo dos festos de mais fácil acesso ou das vias principais;
• Organização dos usos na relação de proximidade com os povoados, regra geral os povoados, independentemente da sua dimensão, são rodeados por áreas agrícolas, a que se seguem as pastagens, os matos e depois as matas. Esta organização que se relaciona directamente com o relevo, em particular com a altitude, corresponde a uma maior diversidade cromática e de texturas nas áreas agrícolas, e ao domínio de diferentes tons de verde nas restantes.
Para além da dominante de azul e verde, do vigor do relevo ou das características climáticas, a paisagem açoriana tem traços comuns bem marcados. Contudo, a combinação desses factores com os de ordem histórica e cultural permite distinguir um carácter e uma identidade própria em cada uma das ilhas. Também no interior de cada uma delas, apresentam uma apreciável diversidade. A combinação dos elementos naturais e humanos que definem a paisagem resulta, em alguns casos, num excepcional interesse e valor paisagístico.
Salienta-se, ainda, que a paisagem açoriana resulta de uma profunda humanização que decorreu ao longo de cinco séculos, com dinâmicas influenciadas por acontecimentos históricos determinantes que, nalguns casos, a insularidade esbateu, retardando os efeitos da evolução cultural e tecnológica com repercussões no geral negativas mas, por vezes, também positivas. Dessa evolução fizeram parte grandes transformações da paisagem baseadas em longos ciclos dominados por algumas culturas como os cereais, o anil, a vinha, a laranja, o chá, o ananás, a criptoméria ou as pastagens. Em tempos mais recentes, assiste-se a transformações mais intensivas e rápidas, mas também mais localizadas, como seja a construção de grandes infra-estruturas ou expansões urbanas dos principais Centros.
Rui Monteiro e Sílvia Furtado |