O jardim Antonio Borges, construído entre 1858 e 1861, constitui um dos principais jardins históricos da ilha de São Miguel, representando para a história dos jardins um valor patrimonial da maior relevância no panorama regional e nacional. Exemplo paradigmático do paisagismo oitocentista, tão diretamente influenciado pela escola paisagista inglesa e demonstrativo do enorme entusiasmo pelo colecionismo botânico, o jardim António Borges procura ainda inspiração nas correntes do pitoresco e do sublime como modelo estético para a criação de cenários variados e algo selvagens. Desde 1957 pertence ao Município de Ponta Delgada, mantendo-se desde então como espaço de recreio e lazer, de acesso público e gratuito.
Foi criado em meados do século XIX para jardim privado de António Borges da Câmara Medeiros (1812-1879), um abastado membro da elite urbana de Ponta Delgada, a quem se ficou a dever o próprio traçado do jardim. António Borges foi um exímio paisagista, além de coleccionador empenhado em obras de pintura e mobiliário, colhidas no decurso das suas longas viagens europeias. O retrato traçado pelos seus contemporâneos revela-nos um homem amante do luxo da vida mundana, ao mesmo tempo que habituado ao rude trabalho do campo, ao gosto pela vida ao ar livre, interessado nos avanços da agricultura e, principalmente, na plantação de extensos jardins e parques, entre os quais se incluem o jardim da Lombinha (atual jardim Antonio Borges), além de outros extensos espaços ajardinados nas Sete Cidades e nas Furnas.
Após o desaparecimento de António Borges, o jardim da Lombinha foi adquirido aos seus herdeiros pela Câmara Municipal de Ponta Delgada e aberto ao público no dia 11 de Setembro de 1957 como Parque da Cidade. Ao longo da segunda metade do século XX o parque da cidade serviu os interesses de um público variado e de gosto heterogéneo, assinalando-se os equipamentos de recreio infantil, as exibições de cinema ao ar livre ou a encenação de comédias populares.
Nos inícios do século XXI o recinto acusava já os sinais do desgaste provocado por um uso excessivo e por vezes desadequado, as marcas deixadas pelo abandono com uma considerável perda do seu património verde. Contra este estado de coisas, a edilidade de Ponta Delgada tomou em mãos a recuperação do Jardim António Borges, criando uma equipa multidisciplinar encarregue de coordenar a sua reabilitação, projeto que ficaria a cargo da equipa liderada pelo paisagista Luís Paulo Ribeiro. As operações implicaram a limpeza e redimensionamento dos lagos, a consolidação das grutas românticas, a repavimentação dos caminhos, iluminação cénica, além da introdução de mais de 100 novas espécies arbustivas e do revestimento vegetal com herbáceas numa área de cerca de 4.000 m2. O Vale dos Fetos foi repovoado com fetos arbóreos e herbáceos e no domínio arbóreo o jardim recebeu cerca de 30 novas espécies, enriquecendo-se significativamente a coleção de palmeiras.
O terreno onde está instalado o jardim ocupa uma faixa estreita e comprida com cerca de 2,5 hectares, dispondo-se no sentido perpendicular à costa, em posição periférica relativamente ao Centro histórico de Ponta Delgada. Progredindo em suave pendente desde a base, onde se situa a entrada principal junto à Travessa Antonio Borges, até ao topo, com abertura para a Avenida Antero de Quental, desenvolve-se ao longo do percurso em acidentes de configuração vigorosa do terreno, os quais são enfatizados pelas armações em pedra que obedecem ao característico gosto artístico do rockwork.
A estrutura física do jardim revela as opções de projeto do seu criador, que se pautaram por uma adaptação sensível às preexistências, fugindo ao terraceamento ou aos grandes movimentos de terra e tirando partido, ao invés, dos acidentes naturais para cavar vales profundos e encaixados ou pontos sobrelevados. No traçado dos arruamentos evita-se a simetria e há uma recusa intencional da linha recta. A uma alameda central, acrescentam-se outras vias longitudinais, com os interstícios preenchidos por veredas de linhas curvas que se tornam tortuosas e serpenteantes nas vertentes interiores do vale mais profundo.
Um segundo nível de percursos estabelece-se em subterrâneos e grutas cuja função suscita a curiosidade dos visitantes e continuamente levanta dúvidas. Tratam-se de túneis artificiais armados em pedra de lava vermelha, quase todos permitindo ligações internas, embora hoje os acessos se encontrem vedados por razões de segurança. Em vez de constituírem misteriosos esconderijos de salteadores ou obedecerem a um obscuro plano de evasão contra os temíveis piratas – como muitas vezes se supõe – as razões para a sua construção radicam em motivações de carácter lúdico. Dando azo à imaginação e porventura inspirado nos algares (tubos lávicos formados durante as erupções vulcânicas), António Borges quis certamente que todas estas misteriosas explicações assomassem à mente dos visitantes, despertando neles sentimentos de curiosidade, espanto ou mesmo temor.
As grutas e túneis desempenhavam também uma função importante no sistema de canalização da água que, acumulada na antiga cisterna erguida a norte (atualmente desativada), era distribuída pelos dois lagos situados mais abaixo. Cumpriam ainda funções de drenagem subterrânea, que por sua vez seriam complementadas com a drenagem superficial dissipada pelas zonas rochosas associadas às depressões, funcionando como bacias de retenção.
A água assinala a sua presença no jardim de forma expressiva nos dois lagos que formam espelhos de água sem jogos artificiais: o mais pequeno assume formas arredondadas e está envolvido por relvados de relevo suave; o maior espraia-se em formas longilíneas por entre margens rochosas e densa vegetação, terminando em grottoes de perfil romântico.
Entre as construções, destaca-se a cisterna-mirante concebida como arquitectura de fantasia medievalizante, com o seu aspecto de castelinho encimado de ameias decorativas e erguido sobre uma espécie de cripta armada em pedra vulcânica, de onde parte um dos circuitos subterrâneos. Além deste, existe um outro mirante (recentemente recuperado) construído com a pedra aparente, o qual adopta a forma simples, e de tipologia mais comum, tronco-piramidal em dois degraus. Ainda da fase inicial não pode ser esquecido o «coche real», uma estrutura em pedra de lava vermelha que se assemelha a um baldaquino elevado sobre a passagem em ponte sobre o Vale dos Fetos, abrindo-se em perspetivas em voo de pássaro para o interior do Vale através de três arcos abertos para cada lado.
A estrutura verde concentra o principal interesse do jardim conservando um património arbóreo excepcional e uma considerável diversidade botânica. Entre o estrato arbóreo destaca-se o número e a variedade de palmeiras, quer as que se alinham ao longo da Alameda das Palmeiras, quer as concentradas no interior do Vale dos Fetos ao lado dos fetos arbóreos e das cordilinas, quer ainda outras distribuídas mais aleatoriamente por todo o recinto. Entre estas citam-se a Palmeira das Canárias (Phoenix canariensis), a Tamareira-do-Senegal (Phoenix reclinata), a Palmeira-elegante (Archontophoenix cunninghamiana), a Quência (Howea forsteriana), a Palmeira-do-Chile (Jubaea chilensis), ou a Palmeira-da-China (Livistona chinensis).
Alguns dos maiores e mais antigos exemplares que compõem o percurso botânico do jardim encontram-se acompanhados da respetiva identificação botânica, especialmente ao longo da Alameda Central. É o caso da colossal Figueira australiana (Ficus macrophylla) com as suas fantásticas raízes aéreas, no sector sul-nascente do jardim; da Araucaria colunária (Araucaria columnaris) junto à Casa de Chá; da estranha e primitiva Araucária Búnia (Araucaria bidwilli) logo abaixo; do grande Jacarandá (Jacaranda mimosifolia) situado no Centro do relvado junto à Alameda Central; do portentoso Sobreiro (Quercus suber) cuja copa deita sobre o «Coche-real»; do impressionante Podocarpo (Podocarpus neriifolia) que se ergue quase ao lado deste, ou, mais para norte, da majestosa Araucária-de-Norfolk (Araucaria heterophylla) nas imediações do lago pequeno. No mesmo sector, encontram-se diversos outros taxa como os Pinheiros-de-Damara (Agathis australis), as Melaleucas (Melaleuca decora), os Metrosideros (Metrosiderus excelsus), os Podocarpos (Podocarpus sp.) e tantas outras; seguindo ainda ao longo da Alameda Central, em direção ao limite norte, encontram-se diversos outros exemplares dignos de registo como o gigante Eucalipto (Eucalyptus globulus), uma bela Azinheira (Quercus Ilex) ou o exemplar de uma espécie australiana incomum (Tristania laurina), sem esquecer um magnífico exemplar de Pau-Branco (Picconia azorica).
Finalmente, nos estratos arbustivo e herbáceo encontram-se tantos outros taxa, com destaque para os maciços de Bambus junto da entrada, as Cicas em volta do lago pequeno, as inúmeras espécies de Fetos, os cobertos de Clívias, as Azáleas indicas, sem esquecer as cultivares de camélias como a ‘Mathotiana Rubra’, a ‘Gigantea’, a ‘Bella Romana’ e os vários exemplares de ‘Anemoniflora Rósea’.
Maria Isabel Wytton da Terra Soares Albergria
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