Pico Matias Simão: Património Natural e Cultural
Localizado na costa norte da ilha Terceira, na freguesia dos Altares, o Pico Matias Simão corresponde a um cone monogenético instalado numa fratura radial
do grande vulcão da Serra de Santa Bárbara. Este pequeno vulcão eleva-se até aos 153 metros, contrastando com os cerca de 50 metros das arribas verticais
que caracterizam esta faixa costeira. O aparelho vulcânico encontra-se muito dissecado pela erosão marinha, tendo sofrido diversos colapsos das suas arribas,
o que provocou um recuo da falésia e criou na sua base importantes depósitos de cascalho e baixios.
Em termos geológicos, o Pico Matias Simão corresponde a um cone de salpicos de lava (spatter), com origem numa erupção do tipo estromboliano, caracterizada
pela alternância de períodos explosivos e efusivos, com a emissão de piroclastos e escoadas lávicas basálticas, respetivamente. Ao longo dos cerca de 200 metros
do percurso pedestre que conduzem ao topo deste pico, é possível observar os diferentes materiais emitidos durante a erupção que lhe deu origem: cinzas vulcânicas
de cor negra cobrem o solo primitivo e estão, por sua vez, recobertas por piroclastos de maiores dimensões e material muito fragmentado. Em níveis superiores,
destacam-se magníficos piroclastos soldados, de tonalidades negras e avermelhadas - autênticos salpicos de lava com formas retorcidas, envoltos numa fina camada vítrea.
Estes salpicos (spatters) correspondem a fragmentos de lava quente e parcialmente fundida, projetados num estado pastoso e que, ao caírem relativamente próximos da cratera,
ainda quentes e maleáveis, se deformam e soldam entre si. Ao arrefecerem, originam rochas espetaculares com formas retorcidas que fazem adivinhar o fervilhar do vulcão.
O Pico Matias Simão é um dos mais belos e didáticos exemplos de cones de salpicos de lava nos Açores. O seu valor natural inclui ainda importantes exemplos de espécies
de flora nativa e endémica dos Açores como a urze ou vassoura (Erica azorica), a faia-da-terra (Morella faya) ou o feno (Festuca petraea), além de reunir as condições
ideais para a nidificação do cagarro (Calonectris borealis), que todos os anos regressa aos Açores para se reproduzir.
Desde o povoamento da ilha Terceira, o Pico Matias Simão revelou-se um elemento marcante na paisagem, segundo os padres Jerónimo Emiliano de Andrade e António Cordeiro,
este aparelho vulcânico terá inspirado o nome da freguesia dos Altares, descrito como "...um altar que vem render-se ao mar". A sua elevação natural, "tão alto que serve
aos pescadores, em grande distância da costa", tornava-o um ponto de referência essencial numa zona costeira rochosa e perigosa, marcada por numerosos baixios.
Ao longo dos séculos, o Pico serviu como ponto de vigia da baleia, apoiando a estação baleeira em funcionamento no Porto dos Biscoitos e inspirou lendas e narrativas populares.
Destaca-se o conto publicado pelo Dr. Cardoso do Couto em A União, a 2 de setembro de 1940:
"Pensando bem e consultando velhas histórias, verificamos que, muito pelo contrário, foi aquele monte outrora desesperadamente disputado pela terra e pelo mar. (...) Deus,
então, talhou-o ao meio e deu metade a cada um dos pretendentes. O mar, receando pelo seu futuro, dispensou a sua herança para que nunca mais se congregasse; a terra nunca
mais deixou de acarinhar a metade que lhe coube em sorte."
A 8 de dezembro de 1940, foi inaugurado no topo do Pico um cruzeiro evocativo da Restauração da Independência, da autoria do Mestre Maduro Dias. Este monumento embeleza o miradouro,
de onde se pode contemplar uma paisagem que se estende do mar à serra e, em dias claros, permite avistar as ilhas Graciosa, São Jorge e Pico.
Um Vulcão com Impacto Socioeconómico
A formação geológica do Pico Matias Simão teve um papel relevante no desenvolvimento da freguesia dos Altares. Na sua base, proliferaram campos de vinha que se estendiam
até à freguesia vizinha dos Biscoitos, e que aproveitaram os solos vulcânicos. No entanto, foi o barro uma das mais preciosas heranças deixadas por este vulcão - um recurso
natural que os altarenses souberam aproveitar com engenho.
A atividade vulcânica que deu origem ao Pico Matias Simão emitiu grandes volumes de material piroclástico a elevadas temperaturas, que cobriram o solo pré-existente,
transformando-o num paleossolo (um solo antigo) argiloso. Em diversos pontos da freguesia, especialmente na área envolvente ao Pico, a cerca de um metro de profundidade,
surge um barro "sofrível", que permitiu a instalação de três telhais especializados na produção de telha de canudo e tijolo: os Telhais da Canada do Laranjo,
de Nossa Senhora do Carmo e das Achadas. Embora os telhais das Achadas e de Nossa Senhora do Carmo tenham desaparecido com o tempo, o telhal da Canada do Laranjo
manteve-se em funcionamento até à década passada, preservando métodos tradicionais de fabrico e o seu complexo edificado. A sua ruína iminente ameaça a extinção desta arte
e, com ela, a memória da importância do Pico, do barro e da telha de canudo. Esta arte é apresentada e valorizada no Núcleo Museológico dos Altares (https://www.museualtares.pt/).
Valorização e Preservação
O Pico Matias Simão é hoje reconhecido como um local de elevado interesse científico, didático e turístico, pela riqueza dos valores naturais e culturais que encerra.
Para potenciar o seu uso e preservar a sua autenticidade, é essencial implementar uma estratégia de valorização que permita a visitação e interpretação do local.
A Junta de Freguesia dos Altares, em articulação com a Câmara Municipal de Angra do Heroísmo e com o apoio do Geoparque Açores, tem vindo a melhorar gradualmente o
acesso ao Pico e a melhorar as condições de visitação, interpretação e preservação dos valores naturais a ele associados. No seu topo, um painel interpretativo ajuda
o visitante a compreender a paisagem envolvente e a geodiversidade associada a este cone de salpicos de lava, incluindo o seu papel na formação do barro.
Este pico integra o Geossítio Biscoitos-Matias Simão, do Açores Geoparque Mundial da UNESCO, e está inserido na Área Protegida para a Gestão de Habitats ou Espécies do Planalto Central
e Costa Noroeste, do Parque Natural da Ilha Terceira.
Salomé Meneses (Geóloga)
Açores Geoparque Mundial da UNESCO
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