O ilhéu da Praia na ilha Graciosa é constituído pelos restos desmantelados de um cone litoral, com uma área emersa de aproximadamente 12 ha. Situa-se a cerca de 1,5 km da costa, sendo relativamente baixo, com uma altitude máxima perto dos 50 m acima do nível médio da água do mar, estando quase inteiramente recoberto por solo pouco profundo. Geologicamente é uma estrutura palagonitizada, com depósitos de areias vulcânicas resultantes da erupção da Caldeira da Graciosa. Por essas razões, os níveis de cloreto de sódio presentes na superfície do solo e nas rochas, resultante do spray marinho e da composição química dos substratos, tornam-no um ambiente terrestre hipersalino.
O ilhéu alberga uma rica diversidade de aves marinhas, considerada uma das mais ricas dos Açores, mas também comunidades interessantes de plantas endémicas e de flora liquénica.
Quando existem condições peculiares, por exemplo ambientes salinos ou hipersalinos, como é o caso do ilhéu da Praia sujeito à ressalga da rebentação das ondas, alguns organismos conseguem adaptar-se melhor do que outros. Assim sendo, a flora liquénica desses locais é distinta da flora liquénica do interior das ilhas ou da flora liquénica continental. Também são comuns nesses ambientes grandes comunidades de cianobactérias.
A diferença da flora liquénica entre este ambiente (Ilhéu da Praia) e o da ilha próxima (Graciosa) não se detecta pela diversidade de espécies, mas sim pela abundância e robustez dos líquenes aí presentes. Por outro lado, a pouca intervenção humana no local leva a que estes cresçam sem o impacto do pisoteio, revolvimento de pedra ou actividades agrícolas que impliquem o remexer o solo. No ilhéu da Praia os líquenes foliáceos tem dimensões normalmente maiores do que os encontrados nas rochas costeiras, a que se tem acesso, na ilha Graciosa.
O ilhéu da Praia apresenta uma grande abundância do líquen foliáceo Xanthoria ectaneoides que coloniza a rocha vulcânica pulverizada com sal marino (grãos de sal com diâmetro inferior a 100 micrómetros). Trata-se de uma espécie de coloração amarela alaranjada, normalmente sem apotécios, que domina as rochas costeiras. Dada a pequena dimensão do ilhéu, este líquen pode ser encontrado em qualquer ponto da sua superfície, excepto na zona intertidal.
As comunidades do género botânico Roccella, que agrupa numerosas espécies semelhantes entre si, também são abundantes, pois encontram nesse habitat condições indispensáveis ao desenvolvimento de extensas comunidades. Entre as várias espécies presentes encontra-se a Roccella tinctoria e a Roccela fuciformis, mas só uma inventariação exaustiva poderá levar-nos a afirmar que outras espécies deste género também estão presentes.
Numa visita ao ilhéu da Praia, será impossível não nos cruzarmos com as vastas comunidades de Xanthoria ectaneoides, e Roccellas já detectadas pelos primeiros navegadores e povoadores das ilhas.
As Roccellas, designadas popularmente por urzela, foram a matéria prima para a produção de corantes naturais durante a Idade Média e Renascimento.
O conhecimento da urzela (Roccella tinctoria) como “planta (líquen) tintureira” provém possivelmente desde a civilização mesopotâmica, tendo sido referido por Theophrastus, filósofo e naturalista grego (371-287 a. C.) como originando uma cor muito mais bela do que a púrpura. A partir deste líquen preparava-se uma solução cuja cor era de um vermelho-violáceo, todavia, outras espécies de Roccellas contêm o mesmo pigmento. Dada a dificuldade de distinguir as espécies de Roccelas entre si, acredita-se que se chamasse Roccella tinctoria também à Roccella fuciformis.
Tal como referido anteriormente, desde muito cedo que este género botânico foi referido nas viagens atlânticas do século XV, tendo sido colhido desde aquela época, em rochas e penedos (ambientes salinos ou hipersalinos) nos arquipélagos atlânticos e, muito particularmente, nos Açores e Cabo Verde. A sua exploração económica foi uma importante fonte de rendimento para os açorianos, tendo atingido o seu apogeu no século XVI.
Além da exuberância e predominância das Xanthorias e Roccellas no ilhéu da Praia, ainda são visíveis grandes comunidades de Propidias, Lecanoras e Caloplacas. É provável que ainda se encontre nesse local, espécies de líquenes raros, e provavelmente, algum endemismo.
António Félix Rodrigues –
Universidade dos Açores
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