A pouco menos de um quilómetro de Vila Franca do Campo, antiga capital da ilha de São Miguel, vamos encontrar o ilhéu com o mesmo nome. Por muitos considerado como o mais belo das ilhas açorianas, o Ilhéu de Vila Franca do Campo destaca-se sobretudo pela sua paisagem e pela excentricidade da sua forma, que esculpida pelas marés ao longo dos últimos 4000 anos, vai despertando a imaginação da mentes mais poéticas.
Resultado de uma erupção submarina, tipo surtesiano, que originou uma cratera de forma quase circular, com aproximadamente 150 m de diâmetro em comunicação com o mar através de uma pequena passagem designada por boquete, este ilhéu é actualmente constituído por duas porções distintas: o Ilhéu Pequenino, situado na costa Nordeste e o Ilhéu Grande, a maior estrutura emergente.
O Ilhéu Grande é cortado por fendas – as golas, estruturas que na sua maioria, estabelecem comunicação profunda com a bacia e o mar exterior, sendo apenas visíveis as suas extremidades. Outra componente distintiva deste conjunto geológico de rara beleza é o Farilhão, um rochedo afastado 20 m do Ilhéu Grande com 32,5 m de altura, coroado por Bracel-da-rocha (Festuca petrae).
Notado desde a colonização pelas suas características adequadas a um porto de abrigo, várias foram as tentativas para que os cofres do reino subsidiassem as obras necessárias para o tornar operacional. Este projecto acabaria por ser abandonado definitivamente com a construção do porto de Ponta Delgada.
O seu nome ficou inscrito nos anais da história portuguesa do final do século XVI, quando junto dele, ao largo de Vila Franca do Campo, as caravelas de D. António, Prior do Crato e dos seus aliados franceses, enfrentaram a vitoriosa armada castelhana. Segundo o cronista Gaspar Frutuoso, na sua obra Saudades da Terra, alguns dos prisioneiros capturados foram enforcados “no mais alto lugar do ilhéu”, como aviso à população.
Face ao elevado interesse ambiental, o Ilhéu foi adquirido pelo Governo Regional dos Açores, tendo sido classificado como Reserva Natural a 3 de Março de 1983, através do Decreto Legislativo Regional n.º3/83/A. Em 2008, com a publicação do diploma legal que regulamenta o Parque Natural de Ilha de São Miguel, o Ilhéu de Vila Franca do Campo foi reclassificado como “Área protegida para a gestão de habitats ou espécies”, integrando ainda a “Área protegida de gestão de recursos da Caloura-Ilhéu de Vila Franca do Campo”, mantêm-se no entanto os objectivos que levaram inicialmente à sua classificação como Reserva Natural, privilegiando-se a manutenção de valores naturais e a gestão sustentável de recursos.
Constitui uma importante zona de nidificação e de passagem de algumas espécies de aves marinhas, tendo sido incluído na lista de Important Bird Áreas (Zonas Importantes para as Aves) dos Açores, publicada pela Birdlife International, entre estas destaca-se em número o Cagarro (Calonectris diomedea borealis) e o Garajau-comum (Sterna hirundo).
Embora marcadas por uma forte intervenção humana, as comunidades terrestres incluem ainda matos naturais, onde subsistem espécies como a Urze (Erica scoparia ssp. Azorica), o Bracel-da-rocha (Festuca petrae), o Junco (Juncus acutus), e a Faia-da-terra (Myrica faya). Para além do Bracel da-rocha e da Urze encontram-se ainda outras espécies pertencentes à flora endémica açoriana, como é o caso da Erva-leiteira (Euphorbia azorica), a Cabaceira (Pericallis malviflora), a Salsa-burra (Daucus carota L. ssp. azoricus) e a Vidália (Azorina vidalis).
É no entanto a bacia do ilhéu que abriga as suas maiores riquezas, a variedade de microecossistemas proporciona a existência de elevados índices de biodiversidade, destacando-se a presença de numerosas espécies de algas e invertebrados que constituem um valioso património que deve ser salvaguardado.
Apesar de não ser habitado, o Ilhéu de Vila Franca do Campo tem sido tradicionalmente usado como zona de recreio. Durante a época balnear sofre uma intensa pressão turística, pelo que o seu uso deverá ser efectuado de forma adequada.
Sandra Toste – Engenheira do Ambiente
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