Início Energia Energia Geotérmica
 
 
Aproveitamentos Geotérmicos nos Açores Carlos Bicudo da Ponte
 
Energia Geotérmica Vídeo
Carlos Bicudo - Engenheiro Mecânico,
EDA RENOVÁVEIS
Aproveitamentos Geotérmicos nos Açores Vídeo
Carlos Bicudo - Engenheiro Mecânico,
EDA RENOVÁVEIS
Aproveitamentos Geotérmicos nos Açores Texto
Carlos Bicudo - Engenheiro Mecânico,
EDA RENOVÁVEIS
Aproveitamentos Geotérmicos nos Açores PDF
Carlos Bicudo - Engenheiro Mecânico,
EDA RENOVÁVEIS

Colaboração EDA RENOVÁVEIS – GRUPO EDA

Os Açores dispõem de apreciáveis recursos de energia renovável como o eólico, hídrico, geotérmico e solar, apesar de atualmente a satisfação das suas necessidades energéticas ainda serem maioritariamente com recurso ao uso dos derivados do petróleo. A energia geotérmica, entre as fontes de renováveis é aquela que apresenta um maior potencial em consequência do processo de formação do arquipélago e da sua localização na Crista Médio Atlântica, na confluência de três placas tectónicas - Americana, Africana e Eurasiática, região com um enquadramento geoestrutural onde se verifica uma intensa atividade vulcânica, bem como de outras manifestações superficiais indicadoras da enorme quantidade de energia existente no subsolo em muitos locais do arquipélago. São exemplos destas manifestações de vulcanismo secundário os campos fumarólicos (Furnas e Caldeiras da Ribeira Grande), as nascentes minerais frias (Lombadas) e as termais (Caldeira Velha e Furnas) associados aos vulcões do Fogo e das Furnas, na ilha de S. Miguel, o campo fumarólico denominado Furnas do Enxofre, na ilha Terceira, e as nascentes minerais termais do Varadouro e do Carapacho, nas ilhas do Faial e Graciosa, respetivamente.

1. Condições para o seu aproveitamento
A energia geotérmica, genericamente é o calor que existe no interior da Terra, que no seu processo de arrefecimento se dissipa em qualquer ponto da superfície terrestre. Porém, existem regiões onde a libertação deste calor é mais intensa, estas normalmente são coincidentes com zonas ativas das fronteiras das placas tectónicas do globo, como é o caso dos Açores.

Este calor pode ser aproveitado para a produção de eletricidade, ou utilizado diretamente para aquecimento de estufas, secagem de madeira, frutos e vegetais, aquacultura, na produção de frio, no aquecimento ambiental e em balneoterapia, entre outros usos. As diferentes aplicações dependem da temperatura do fluido geotérmico, sendo tradicionalmente aceite que os recursos de alta entalpia são preferencialmente usados para a produção de energia elétrica e os de baixa entalpia acontecem em aplicações diretas do calor.

O seu aproveitamento está condicionado à verificação da coexistência das seguintes condições, que configuram um reservatório geotérmico: i) a existência de uma fonte de calor que poderá ser um corpo magmático ou rochas quentes; ii) um fluido transportador de calor, a água, dispondo de adequada recarga face à extração; iii) uma sequência de rochas permeáveis, que constitui o reservatório; iv) uma formação geológica impermeável e isolante de cobertura, resultante da atividade hidrotermal do geofluido, que concentra e retém toda a energia contida no reservatório.

Uma vez identificado um reservatório geotérmico no âmbito das atividades de prospeção e pesquisa, executam-se poços de produção com profundidade adequada para intercetarem as formações rochosas onde existem água e vapor geotérmicos a elevadas temperatura e pressão. Estes fluidos geotérmicos são captados e conduzidos para a superfície, visando o aproveitamento do calor em centrais geotérmicas para a produção de eletricidade ou a utilização direta em processos industriais ou domésticos.

O recurso geotérmico é considerado como uma fonte de energia renovável fiável, estável e continua, pois a sua disponibilidade não depende da hora do dia ou da estação do ano, proporcionando assim, aproveitamentos de produção de eletricidade adequados para preencher a base do diagrama de carga/procura do sistema electroprodutor onde se inserem.

2. Infraestruturas de exploração
O aproveitamento do calor implica a necessidade de execução de infraestruturas de captação, os poços de produção, e a construção de centrais onde se verificam as trocas de calor e a conversão do calor em eletricidade.

Os poços geotérmicos são sondagens construídas na crosta terrestre, através de perfurações concêntricas e respetivos revestimentos em aço de forma a atravessarem as formações geológicas onde reside o aquífero geotérmico, podendo-se atingir vários quilómetros de profundidade. Um poço geotérmico, de modo simplificado, é constituído por dois segmentos, um superior, que arranca da superfície, revestido com uma tubagem cega cimentada contra as formações e um outro inferior, profundo, constituído por tubagem perfurada, solta das formações, formando um ecrã drenante do geofluído a conduzir para a superfície. O troço superior é encimado por um conjunto de válvulas que permitem a operação e o controlo da extração dos fluidos geotérmicos.

Para a produção de eletricidade são genericamente usados dois tipos de centrais: a de tecnologia tradicional com recurso a turbogeradores convencionais, onde se expande diretamente o vapor geotérmico na turbina, ou, em alternativa, a tecnologia binária que usa um fluido intermédio que é aquecido pelo água e vapor geotérmicos, cujo vapor sobreaquecido do fluido de trabalho é expandido no turbogerador, repetindo-se ciclo em circuito fechado.


Figura 1: Diagrama de funcionamento da tecnologia binária

A produção de eletricidade a partir de recursos geotérmicos é competitiva relativamente à alternativa a partir dos combustíveis fosseis, vantagem que tende a aumentar face a possíveis aumentos dos derivados do petróleo. Um aproveitamento geotérmico exige elevado esforço de investimento inicial, muito superior à alternativa térmica tradicional, pois além da construção da central é necessário executar um parque de poços de produção e de injeção. Todavia, importa realçar que os custos diretos de produção são baixíssimos e que a exposição a fatores externos é reduzida, o que proporciona um custo de produção dominado durante a vida útil do projeto.

O impacte ambiental de um aproveitamento geotérmico é mínimo e com uma área afetada muito reduzida, quando comparado com as alternativas tradicionais a partir da queima dos derivados de petróleo. Ao nível da operação, não são produzidas pelo processo de transformação de energia quaisquer emissões de CO2 resultantes de combustão, e todo o geofluido, após as trocas de calor, é encaminhado para o reservatório através de poços de injeção criteriosamente localizados em relação aos poços de produção.

3. Os aproveitamentos geotérmicos em São Miguel
A prospeção geotérmica, iniciada na segunda metade da década de 70 na vertente norte do Vulcão do Fogo culminou em 1980 com a construção da Central Geotérmica Piloto de Pico Vermelho (3MW).

Nesta data, a EDA RENOVÁVEIS, S. A. empresa do Grupo EDA, S. A., que tem por missão a exploração dos recursos geotérmicos, opera duas centrais com uma potência de 23 MW distribuída pela CGRG 13MW e CGPV 10MW. Estas centrais, localizadas no Campo Geotérmico da Ribeira Grande, são abastecidas por fluidos captados num reservatório de alta entalpia, água dominado, com temperaturas máximas compreendidas entre 235 °C e 240 °C, cujas formações de maior produtividade surgem entre 500 e 1200m de profundidade.

3.1. Central Geotérmica do Pico Vermelho
A Central Geotérmica Piloto do Pico Vermelho (CGPPV), de fabrico da Mitsubishi Heavy Industries, foi a primeira Central Geotérmica a ser instalada nos Açores como um projeto piloto de confirmação do potencial geotérmico da zona, dispondo, por isso, de características próprias para esse tipo de utilização experimental, de que se destaca a sua forma compacta e a condição de ser facilmente transportável.


Figura 2 – Central Geotérmica Piloto do Pico Vermelho (3MW)

Esta central utilizou o sistema convencional de produção, cujo grupo gerador era constituído por uma turbina de vapor de contrapressão, desprovida de sistema de condensação, acoplada a um gerador síncrono. Apesar da turbina ter uma potência nominal de 3MW, nunca ultrapassou os 900 kW, dado que apenas disponha de uma fração do caudal nominal de vapor produzida por um único poço PV1. Esta central foi desativada em 2005, em consequência de estudos desenvolvidos que consideraram o grupo gerador obsoleto e aconselharam a sua substituição.

Neste pressuposto, foi configurado o projeto de remodelação da CGPPV, que conduziu à construção e montagem de um grupo gerador com uma potência de 10 MW, além da interligação dos poços existentes PV2 e PV3, da execução e interligação de mais três poços de produção e de dois poços de injeção. A construção da nova Central Geotérmica do Pico Vermelho, que utiliza a tecnologia binária, foi contratada à Ormat Industries Ltd., cujo início de exploração aconteceu em dezembro de 2006. Esta central é abastecida por cinco poços de produção (PV2, PV3, PV4, PV7 e PV8) cuja profundidade é de cerca de 1000m e a temperatura máxima medida foi de 243°C. A produção atingida em 2007 foi de 98,5GWh, o que combinada com a produção da Central da Ribeira Grande, correspondeu nesse ano a uma contribuição na estrutura de produção da ilha de S. Miguel, de 41%.


Figura 3 – Central Geotérmica Piloto do Pico Vermelho (10MW) - 2007

3.2. Central Geotérmica da Ribeira Grande
A Central Geotérmica da Ribeira Grande (CGRG) possui uma capacidade de geração de 13MW, instalada em duas fases: em 1994, a Fase A constituída por dois grupos turbogeradores duplos (2 x 2,5 MW); a Fase B, em 1998, em que foi instalada uma potência adicional com mais dois grupos turbogeradores (2 x 4 MW).


Figura 4 – Central Geotérmica da Ribeira Grande

Também, nesta central a opção recaiu na tecnologia baseada num sistema binário, segundo o ciclo de Rankine, usando um fluido orgânico intermédio (normalpentano) para o qual é transferido o calor do fluido geotérmico em três níveis.

O parque de poços associado a esta central é constituído por cinco poços de produção e um poço de injeção (CL4), dois deles verticais (CL1, CL2) e os outros três são direcionais (CL5, CL6 e CL7). O geofluido, após as trocas de calor, é conduzido para os poços de injeção CL4 e CL4-A, onde é injetado na totalidade.

A central está em exploração desde Março de 1994, verificando-se a elevada estabilidade e continuidade do recurso, complementadas por um bom desempenho do equipamento eletromecânico usado. Relativamente à produção anual, regista-se um decréscimo que está relacionado com o declínio natural dos poços geotérmicos face à exploração, situação que é comum nas centrais geotérmicas, sendo corrigida pela construção de poços de produção adicionais, cuja execução não tem sido possível ao ritmo de compensar o declínio, tendo em conta dificuldades na orografia da área afeta à central.


Figura 5 – Evolução da exploração das CGRG e CGPV

Das centrais, a que maior produção apresenta é a CGPV, em consequência da maior abundância de produção de geofluido dos atuais cinco poços de produção que a alimentam. De facto, o atual parque de poços de produção desta central disponibiliza um excesso de geofluido que suporta a sua expansão.

A produção combinada das duas centrais em 2018 atingiu o valor de 183,5 GWh, o que contribui na estrutura de produção da Ilha de S. Miguel com uma quota de 42%, e quando adicionada às fontes hídrica e eólica, eleva a penetração das energias renováveis para cerca de 51%.

4. O Projeto Geotérmico da Ilha Terceira
O projeto geotérmico da Terceira foi reiniciado no ano de 2000, na sequência de trabalhos preliminares efetuados desde os anos 70, com a execução de uma campanha de prospeção geoelétrica numa vasta área, para detalhe da informação geofísica já existente.

Considerando os interessantes resultados desenvolveu-se, posteriormente, uma campanha de execução de furos de medição de temperatura, para reconhecimento da sua distribuição até aos 600 metros de profundidade, e estimativa do gradiente geotérmico local, cuja temperatura máxima registada foi de 235°C. Com base na informação recolhida, foi projetada a execução de um conjunto de cinco poços de avaliação, com profundidades entre os 1100 e os 1900 metros, que decorreu entre 2007 e 2009, e que foram posteriormente avaliados através de ensaios de produtividade de longa duração.

O resultado dos trabalhos realizados permitiu identificar um sistema geotérmico de alta temperatura, na ordem dos 270 a 300°C, com uma área significativa e com reservas de calor suficientes para suportar um projeto geotérmico com 10 MW. Todavia, a reduzida produtividade individual dos poços geotérmicos, decorrente da baixa permeabilidade encontrada, o seu comportamento produtivo cíclico e as características termodinâmicas do recurso existente, não permitem a extração de calor com uma potência idêntica à inicialmente prevista. Neste contexto, em 2010, foi tomada a decisão de dividir o projeto em duas fases, sendo que a Fase A contemplava a instalação de uma Central Geotérmica com uma potência instalada de 3,5 MW, e a Fase B que prevê a expansão desta capacidade para 10 MW.

Em 2017 foram concluídos os trabalhos de construção da Central Geotérmica Piloto do Pico Alto, com uma potência instalada de 3,5 MW, tendo a produção sido iniciada no mês de Setembro, o que vai permitir aferir o comportamento produtivo a longo prazo do reservatório e dos poços geotérmicos, através da monitorização de diversos parâmetros, enquanto, simultaneamente, gera receita e proporciona oportunidade de consolidação da aprendizagem da equipa técnica local sobre este reservatório e a operação de centrais geotérmicas.

4.1. Central Geotérmica Piloto do Pico Alto
A Central Geotérmica Piloto do Pico Alto, tem uma potencia instalada de 3,5 MW, e a sua construção foi contratada ao consórcio EXERGY, S.p.A. & CME - Construção e Manutenção Electromecânica, S. A. em julho de 2015, e corresponde ao primeiro aproveitamento geotérmico, para produção de eletricidade, na ilha Terceira. A central é constituída por um grupo gerador de tecnologia binária, funcionando segundo o ciclo de Rankine, com condensação a ar, e cuja potência motriz é garantida por uma turbina de expansão radial do projetista e construtor italiano EXERGY S.p.A.


Figura 6 – Central Geotérmica Piloto do Pico Alto (2017).

Especificações técnicas do grupo gerador:

• Potência Bruta: 4,0 MW
• Potência Líquida: 3,5 MW
• Fluido de trabalho: Ciclopentano
• Caudal processado: 190 t/h
• Temperatura: 143 °C
• Pressão: 10 bar(a)


Figura 7 – Grupo gerador da CGPA.


Figura 8 – Esquema da turbina do grupo gerador da CGPA.

A exploração do recurso assenta num parque de três poços de produção (PA2, PA3 e PA4) para obtenção do fluido geotérmico, e um poço de reinjeção (PA8), no qual esse fluido, após as trocas de calor na central, é devolvido ao reservatório, à exceção dos gases não condensáveis, correspondentes a cerca de 1% do caudal total, os quais são libertados para a atmosfera.

Em 2018 a Central Geotérmica do Pico Alto contribui na estrutura de produção da Ilha Terceira com 10,7%, que combinada com a produção a partir dos recursos eólico e hídrico (22,8%), para uma penetração de 33,5% das fontes renováveis. Acrescida da produção com recurso à queima de resíduos, estima-se atingir 38% na estrutura de produção naquela ilha.

5. Projetos geotérmicos em desenvolvimento
Para os próximos anos está programado o desenvolvimento de uma campanha de sondagens prevendo-se a execução de três poços de produção no Campo Geotérmico do Pico Alto, Ilha Terceira, o que havendo sucesso permitirá a expansão da atual central para uma potência 10MW.
Integrado na mesma campanha de sondagens prevê-se a execução de mais seis poços no Campo Geotérmico da Ribeira Grande, três dos quais localizados no Sector de Cachaços Lombadas que apoiarão a saturação da Central Geotérmica da Ribeira Grande e os outros três serão executados no Sector do Pico Vermelho, cuja respetiva produção suportará a expansão da Central Geotérmica do Pico Vermelho por mais 5MW.
Concretizados com sucesso todos estes projetos, e construídos os sistemas de armazenamento de eletricidade por baterias na Terceira e em S. Miguel, estima-se que a produção combinada da geotérmica com as restantes energias renováveis atinja, a meados da próxima década, uma penetração muito próxima dos 60% na estrutura de produção dos Açores, confirmando-se o elevado potencial energético endógeno do arquipélago, e, beneficiando-se de todo o impacto económico positivo, aumento da segurança e autonomia do abastecimento, além de todas as vantagens ambientais.

Ponta Delgada, 16 de janeiro de 2019
EDA RENOVÁVEIS, S. A.
Carlos Bicudo da Ponte (Eng.º Mecânico)
[email protected]