Então as ilhas já eram tidas como (a) continentais quando resultam da rotura de uma porção de continente e onde os animais e plantas são, com raras excepções, os mesmos que os do continente vizinho; e (b) oceânicas quando são formadas por uma erupção vulcânica, como as dos Açores, e estão sempre rodeadas de mar. Neste contexto, para Furtado (1881a), «ao contrário do que se dá nas ilhas continentais, as ilhas oceânicas têm um todo de espécies peculiares que se não encontram em outros pontos do globo, nem nos continentes próximos. [...]. Ora como não se pode acreditar que mão oculta esteja à espera que uma ilha surja das ondas para fazer de lodo alguns caracóis mais ou menos transparentes e pintados, os transformistas não podem ver nas espécies particulares às ilhas oceânicas senão espécies emigradas ou trazidas acidentalmente dos continentes pelas aves de arribada e nos troncos que as ondas arrojam às praias, e que se transformam mais ou menos rapidamente em virtude do clima insular, e vêem na particularidade actual dessas formas insulanas, do mesmo modo que nas criações dependentes, uma base fortíssima da teoria que abraçaram.».
Partindo da dedução de Darwin de que o número de espécies que habitam ilhas oceânicas é pouco numeroso quando comparado com o número de espécies habitando áreas iguais nos continentes, Furtado (1881b) estudou a «riqueza de distribuição» de quatro géneros de moluscos (Helix, Zonites, Pupa e Eulimus) e verificou haver «alguma observação menos bem feita, porque na Madeira, [...] há o total de 116 espécies de moluscos terrestres e fluviais, que, comparado com as áreas continentais, é, pelo contrário, relativamente enorme; Portugal tem apenas um total de 149, a França de 269 e a Grã-Bretanha de 129. O total dos Açores (71) faz como o da Madeira uma excepção notável». Furtado (1881b), entendendo não poder haver «número de espécies tão elevado nas ilhas», rejeitando a possibilidade de haver espécies introduzidas apenas em algumas delas, explica a situação, recorrendo à teoria evolucionista e admitindo que formas diversas, consideradas anteriormente como espécies, não eram mais do que estados diversos de modificação de uma mesma espécie. A propósito escreveu: «As introduções das espécies que julgamos transformadas, devidas, como é unicamente provável, às migrações das aves, não foram feitas todas numa mesma época, mas sim lentamente, decorrendo muitos e muitos anos da chegada de um germen à do outro, e portanto não custa admitir que o que foi primitivamente a mesma espécie, esteja hoje em duas ilhas diferentes e até numa mesma ilha, podendo ser considerado como uma ou mais espécies perfeitamente distintas. A transformação que não pode atribuir-se à desigualdade do clima, atribui-se neste caso à desigualdade do tempo. Há apenas diversos graus de modificação de uma mesma espécie. Alentando a hipótese, muitas das actuais espécies, derivadas de uma introdução mais antiga, terão já afectado a forma de outras cuja introdução foi mais moderna, e estas, por seu turno, virão a ter todos os caracteres que vemos nas primeiras.» (Furtado, 1881b).
É assim que explica como «[...] nos [hélices] caldeirarum [=Leptaxis caldeirarum], terceirana [=L. terceirana] e drouetiana [=L. drouetiana], é que a semelhança é muitíssimo acusada, e o facto de não viverem associados, mas cada um na sua ilha (S. Miguel, Terceira e Faial), depõe muito a favor da sua unidade específica, fazendo atribuir cada uma das suas pequenas diferenças a modificações determinadas lentamente em cada ilha.» (Furtado, 1881b).
«Supor que nesta estreita afinidade não está implicada uma mesma espécie primordial, manifestando apenas diversos graus de modificação segundo o tempo, é julgar consciente uma dispersão puramente acidental, e querer admitir que as aves escolheram de propósito espécies afins, para irem colocar em cada uma daquelas ilhas.» (Furtado, 1881b).
Como seguidor da Teoria da Evolução, entendia que «uma vez introduzida uma espécie nas nossas ilhas, ainda que depois de alguma grande luta pela vida, capaz de produzir uma endemia, as condições vitais eminentemente próprias [...] estabeleceram seguros meios de propagação». Mais, as diferenças encontradas nas populações açorianas quando comparadas com aquelas da mesma espécie habitando o continente, não eram «questões anómalas, individuais e principalmente de idade» mas «modificações fixadas na espécie pelas leis da hereditariedade» (Furtado, 1881b). Com o tempo, as modificações teriam sido fixadas nos seus «aparelhos secretores», apropriando-os definitivamente à natureza especial das suas necessidades (Furtado, 1880).
Verificando a proveniência geográfica das espécies distribuídas pelas diferentes ilhas, Furtado (1881b) conclui que «[...] a grande colonização, quer por meio das migrações das aves, quer feita pelo homem, veio do oriente e se estabeleceu primeiramente naquele grupo de ilhas [S. Miguel e Santa Maria], e que as outras pela maior parte foram depois fornecidas à custa daquele stock.».
Bibliografia
Furtado, F. A. (1881a), Alguns factos sobre que se baseia a teoria darwinista ou da evolução, II. A distribuição geográfica nas ilhas oceanicas. A Republica Federal, ano II, nº 8, 7 de Junho.
Furtado, F. A. (1881b), A propósito da distribuição dos moluscos terrestres nos Açores. Era Nova, 1: 267-283. |
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