Arruda Furtado formou o seu pensamento nos conceitos evolucionistas do seu tempo, nomeadamente, na teoria de Charles Lyell; nas evidências de extinções e de mudanças evolutivas fornecidas pela paleontologia; nas afinidades genealógicas existentes entre os organismos sugeridas pela anatomia comparada e na sobrevivência do mais apto, usada especialmente para responder à extinção.
A propósito da teoria de Lyell, Furtado (1881a) escreveu: «Muito antes de Darwin uma outra opinião igualmente prejudicial à ciência tinha sido posta em ruínas no domínio geológico; é a já mencionada crença nas catástrofes e nas revoluções do globo. O mérito de uma tão grande novidade pertence ao geólogo inglês Charles Lyell, que nos seus Princípios de Geologia demonstrou peremptoriamente que essas catástrofes nunca tiveram um carácter geral, mas sempre um carácter apenas local; que em suma nunca as revoluções do solo interessaram à superfície inteira do globo, mas que a terra percorre em toda a sua história apenas uma evolução progressiva, constante, contínua, e que a cada instante ela esteve submetida às mesmas forças e sujeita aos mesmos acidentes que trabalham ainda hoje na modificação da sua superfície.». E acrescenta que «essa evolução se faz tão lentamente, de uma maneira de tal modo imperceptível, que a nossa experiência e a nossa observação, limitadas na duração das coisas, não podem verificar directamente os seus resultados. [...]. Os termos época, terreno e camada geológica têm apenas o valor que lhes dá a comodidade da linguagem no estudo cronológico dos fenómenos lentos e das revoluções, mais ou menos locais [...] porque, para bem dizer, a crusta do globo é uma só grande época e um só grande terreno, em que nada cessou completamente, em que tudo se fez por dependência e transformação daquilo que estava feito.».
Assim a ruína da doutrina geológica preparou os espíritos para uma revolução nas ideias admitidas com respeito à aparição e ao desenvolvimento do mundo orgânico na superfície da terra (Furtado, 1881a, cf. Büchner, 1869, Conferências sobre a teoria darwiniana: 22).
Sobre as evidências de extinções e de mudanças evolutivas fornecidas pela paleontologia, Furtado (1881b) conhecia como os animais foram aparecendo, gradualmente, das formas mais simples e menos abundantes, para as mais complicadas e numerosas, e como a fauna daquele tempo, nas áreas não perturbadas pelo período glaciário, estava relacionada, intimamente, com a fauna fóssil, mais recente, dessas áreas.
Mais: «O que é hoje fez-se pela transformação do que foi ontem, e, transformando-se produzirá o que há-de ser amanhã. Se a marcha dessas transformações é por vezes excessivamente lenta aos nossos sentidos, nós somos obrigados a admitir que ela se dá porque se deu sempre, e porque não podemos compreender o universo como obra de um plano traçado de antemão e muito menos que essa obra esteja terminada em nós e naquilo que nos rodeia.».
Num outro artigo, Furtado (1881c), usando textos bíblicos (Livro do Eclesiastes; Génesis) e extractos de obras de vários autores (v. g. Büchner, Le Bon), explica que o homem não nasceu perfeito (à imagem e semelhança de Deus, como pretendem os criacionistas) mas que evoluiu de entre as espécies de animais «de onde devem ter saído também os grandes macacos». Mais, com as citações daqueles autores, Furtado pretende mostrar que há povos primitivos onde «a ideia de religião é completamente nula».
A propósito das afinidades genealógicas existentes entre os organismos sugeridas pela anatomia comparada, Furtado (1882) mostra entender que em espécies parentais os embriões são semelhantes, no início, diferenciando-se durante o seu desenvolvimento e que «[...] a ordem cronológica do aparecimento das diversas estruturas específicas no embrião concorda com a ordem cronológica do aparecimento de estruturas específicas semelhantes na superfície do globo – é que o embrião reproduz, ainda que apressada e imperfeitamente, uma série de formas extintas, das quais é derivada a forma adulta que ele vai também reproduzir.».
Destas ideias, Furtado (1882) salienta a evidência «de que as espécies actuais são formadas de espécies passadas, cujas formas o embrião reproduz nas suas fases» e que «o adulto, como espécie, não teve sempre a mesma forma que tem hoje».
Sobre a contribuição da embriologia para o entendimento da transformação gradual das espécies, Furtado (1882) compreendia que «essas gradações não podem ter consistido senão em diferenças de forma e de estrutura do mesmo modo que ainda hoje no embrião elas não podem consistir noutra coisa, e que portanto as espécies actuais devem a sua existência a uma evolução de espécies e que as fases embrionárias são os restos daquilo que a hereditariedade transmitiu dessas espécies.».
Também era sabido de Furtado (1881d) que a evolução acontecia por selecção natural. Assim, reconhecia que: «(a) os seres, para se apropriarem das condições favoráveis à sua conservação, dão-se a um combate perpétuo – luta pela existência; e (b) nesse combate, como é fácil de prever, a vitória cabe ao mais bem favorecido, e, dessa posse do carácter favorecedor, resulta para esse carácter uma predominância, porque a hereditariedade o fixa e acumula em cada geração, e assim se vai produzindo uma – selecção natural, na qual podemos apenas ver a origem de novas espécies.».
«Na natureza não há mais do que o indivíduo. São os indivíduos que constituem aquilo a que chamamos espécie; são eles que lutam pela vida, cada um sobre si; não é a espécie que luta. Quando os indivíduos não podem sustentar vantajosamente a luta pela existência, a espécie morre com eles; quando os indivíduos podem modificar ou transformar a sua organização para se adaptarem às novas condições de vida, é que a espécie pode considerar-se como não extinta: ela vive transformada mas vive. Podemos mesmo afirmar de um modo geral que a conservação de uma espécie está na razão directa da sua mutabilidade. Chegam novas condições de vida: se os indivíduos poderem modificar-se, a espécie persistirá; se eles não poderem modificar-se, a espécie extinguir-se-á. “Variar ou morrer”. A conservação prolongada de uma espécie por meio de transformações vem por fim a determinar uma série de espécies filiadas umas nas outras.» (Furtado, 1882).
Em defesa da explicação darwinista do Evolucionismo, Furtado (1881d) argumenta que os seguidores desta teoria se apoiam na descendência serial com modificação pouco importando «que as espécies diferentes se prejudiquem ou não, na fusão das suas funções reprodutoras, se independentemente disto compreendemos a possibilidade do transformismo e ele se nos impõe, pelas explicações que traz, como orientação única das nossas pesquisas e como disciplina das nossas conclusões.».
Bibliografia
Furtado, F. A. (1881a), A ideia moderna da filosofia geológica, a sua origem histórica, a sua significação e o seu valor. A Republica Federal, ano II, nº 9 e ano II, nº 11.
Furtado, F. A. (1881b), Alguns factos sobre que se baseia a teoria darwinista ou da evolução, I. A sucessão geológica das faunas e a sua dependência. A Republica Federal, ano II, nº 7.
Furtado, F. A. (1881c), Nada nasceu nem nasce perfeito. A Republica Federal, ano II, nº 12; ano II, nº 13; ano II, nº 14 e ano II, nº 15.
Furtado, F. A. (1881d), Ecos açorianos da questão da espécie. A Vanguarda, ano II, nº 81 e ano II, nº 82.
Furtado, F. A. (1882), Embriologia, uma ideia popular do que ela vale na teoria de Darwin e do que é a filosofia de nossos avós perante ela, Positivismo, 4: 121-163. |
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